História
Manoel Padeiro pode se tornar um herói do Estado
Projeto de Lei prevê o reconhecimento da importância da trajetória do líder quilombola do século 19 na luta contra a escravidão
Reprodução Debret - Homens e mulheres pretos, escravizados ou não faziam resistência na Serra dos Tapes
O líder quilombola do século 19 Manoel Padeiro pode se tornar um herói rio-grandense. A proposta surgiu do trabalho de um grupo de pesquisa liderado pela deputada Laura Sito (PT), de Porto Alegre, que protocolou Projeto de Lei reivindicando o reconhecimento. O Rio Grande do Sul não tem lideranças negras gaúchas como heróis e heroínas do estado. O PL propõe ainda o dia 16 de junho como data comemorativa oficial no calendário, em memória a este importante condutor de atos de resistência à escravidão, conhecido como "Zumbi dos Pampas".
Em seu primeiro mandato, a deputada contou ao Diário Popular que a opção por dar destaque a figuras negras que tiveram uma trajetória marcante no Estado vai ao encontro do desejo de ajudar a reposicionar o papel do povo negro na construção da histórica, cultura e economica do Rio Grande do Sul. "Acho que essa primeira bancada negra - pela primeira vez termos mulheres negras deputadas estaduais - tem que servir também para a construção de um ideário antirracista na sociedade e tirar do apagamento figuras que foram importantes", diz.
A iniciativa vai além e quer que, Manoel Padeiro, Preta Roza, Oliveira Silveira, Lanceiros Negros e outras figuras importantes para a construção da história e identidade dos gaúchos sejam reconhecidas por meio do diálogo com a Secretaria Estadual de Educação. O objetivo é ampliar o debate sobre a importância da Lei 10.639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira dentro das disciplinas em diferentes níveis de educação.
"É muito central, A ideia de homenagear Manoel Padeira surgiu após a deputada formar um grupo de pesquisadores negros para fazer o levantamento destas lideranças. O primeiro apontado foi do líder quilombola da região de Pelotas. "Iniciamos pela Região Sul por ser a mais negra do Rio Grande do Sul, tem ali histórias fantásticas da construção e resistência dos quilombos, do papel do povo negro nas charqueadas, um vasto campo a debater. É muito simbólico que o Estado não tenha nenhum herói negro reconhecido, o único herói não branco foi Sepé Tiaraju e foi uma batalha para que ele fosse reconhecido oficialmente. Que a nossa presença negra aqui na assembleia possibilite esse recontar da história de um povo que talvez seja a maior fatia étnica do Estado, mas que é completamente invisibilizado na narrativa do que é o povo gaúcho."
O próximo passo é promover debates internos na Assembleia Legislativa. "Os projetos têm um trâmite a percorrer. Nós queremos fazer uma audiência pública na região de Pelotas, incentivando a comunidade a debater, por ser ele também um herói regional. Mais do que um reconhecimento burocrático de um líder negro, queremos fazer um processo de conscientização da sociedade."
Pesquisadores de Pelotas
Entre os envolvidos no trabalho de pesquisa que fundamentou o Projeto de Lei de Laura Sito, estão os historiadores/pesquisadores Caiuá Cardoso Al-Alam, professor da Unipampa, e Cláudia Daiane Mollet. Para o pesquisador a patrimonialização da história de Manoel Padeiro e da experiência quilombola é fundamental, pela importância da luta antirracista. "Manoel Padeiro e os quilombolas da sua rede, tinham toda uma influência. Faz muito sentido também pelos direitos da população quilombola, direito à existência, direito à titulação de terras, pelo reconhecimento dos quilombolas como cidadãos efetivamente", fala.
Claudia Mollet, pesquisadora premiada pela Capes, que tem territórios de concentração quilombola, lembra que o quilombo de Manuel Padeiro foi um dos tantos espalhados pelo Rio Grande do Sul desde o século 18, muitos ainda estão à espera de pesquisas para serem desvendados, porque estão presentes em vários documentos que carecem de pesquisa. "Mas muito já se levantou da presença desse quilombo (o de Padeiro)" comenta.
Uma das características apontadas pelos pesquisadores é que havia toda uma articulação que incluia outros quilombos, homens e mulheres escravizados e libertos, também pessoas brancas pobres e até estabelecimentos comerciais. "Uma articulação de todo uma sabedoria de conhecer o território, poder estar se embrenhando na Serra dos Tapes, nas proximidades das charqueadas. Trazer esse protagonismo das pessoas negras que estiveram e estão aqui desde sempre lutando e resistindo é fundamental para a construção de uma identidade negra e para a construção também de um país de fato democrático", avalia a pesquisadora.
Questionada sobre a comparação entre Padeiro e o guerreiro alagoano Zumbi dos Palmares, Cláudia Daiane diz que parear trajetórias muito complexas acabaria por diminuí-las. "São figuras singulares que trouxeram toda uma série de estratégias de resistência e de construção de comunidades quilombolas, estratégias de conhecimento de território, de articulação, de construção, manutenção e de extensão das redes (de proteção). Ambos são heróis negros que precisam ser reconhecidos especialmente pela construção de uma identidade negra positiva."
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